sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

CONTO


Déjà vu

Incrível! Já sonhei com isso, exatamente isso: o eco lendo e preguiçoso da professora de geografia, o ruído irritante e contínuo do ventilador no teto, a sala quase vaga... calada... Estariam eles prestando atenção na lição que a professora nos passava sem ansia, ou estariam eles pensando cada qual nos seus problemas? Talvez estivessem planejando seu futuro ou remoendo o passado ou mesmo vasculhando o vago do cérebro...Calados.
Uma vez ou outra um aluno fazia uma pergunta ou confirmava uma afirmação da professora, com isso se mostrando um ser vivente, quebrando a atmosfera sonolenta e irritante, mas que ruído irritante faz esse ventilador...
Por mais que eu queira entender a explicação, a lição dada naquele momento, pensamentos folgados invadem minha cabeça como parentes pobres e interesseiros.
Os olhos extremamente estáticos, dos habitantes da sala,dão uma ar meio zumbi ao ambiente, tudo parece pacato, calmo...A professora sequer altera seu tom de voz, e o ventilador continua sua interminável rotação...
De repente, para alegria da minha alma, surgi uma mosca! Consigo acompanhar seu trajeto apenas ouvindo o tinir de suas asinhas. Ela pousa na cabeça de alguém, que logo desperta do sonho acordado. Era um rapaz, o mais estudioso da sala, sonhava em ingressar na faculdade para ser alguém na vida, como se não fosse ninguém. Um rapaz tão bonito, divertido até! Mas que pena...Não era ninguém. Ele pede pra ir ao banheiro, a professora faz que sim com a cabeça, e a mosca volta a voar livremente sobre nós. Ela dá uma rasante na minha banca e depois voa perto do ventilador, por um momento desejei sua morte, desejei ver uma tragédia, queria ver a hélice do maldito ventilador escalpelar o inseto! Mas logo passou meu desejo e deu lugar a uma dó, uma dó tremenda da mosquinha, tão pequena, tão sozinha...Um nó fechou minha garganta, meus olhos ficaram úmidos, a professora entoou uma voz diferente para chamar minha atenção e a mosca foi embora.
Enfim, voltou a mesma monotonia, e eu já me esquera de tal sentimento nobre que senti a pouco, não sinto mais nada...Só o barulho do ventilador ainda me incomoda.
Toca o sinal, parece um despertador que nos acorda para mais um dia de vida...Puxa! Ainda é o sinal da primeira aula! Olho o relógio, vou embora, esse ventilador é mesmo irritante.

Lua Jeniffer, 2004

CURIOSIDADES


Como Surgiram os Morcegos

Era uma vez um ratinho muito pequeno e curioso chamado Tuísca. Certo dia ele viajou de avião para visitar sua avó que morava numa das asas do mesmo. Ele ficou fascinado com as nuvens que via através de uma abertura, que o próprio desconhecia a utilidade, porém de volta a sua casa, seu fascínio tornou-se mais que um desejo incontrolável, tornou-se uma obsessão!
Tuísca queria muito voar, mas pela lei da física era impossível.
Tuísca cresceu com esse sonho que passava diante dos seus olhinho como um projetor de imagens, onde a fita do filme era o seu coração que plugava no seu desejo.
Com o passar do tempo a velhice o veio e ainda o pegou de patas no chão, logo, ao tentar um vôo desesperado ao encontro das aves de rapina, nosso querido Tuísca morreu. E para o nosso consolo, sua despelada alma transformou-se num rato voador, que é o que chamamos de morcego, e quando virmos um desses mamíferos voadores, saberemos que para um sonho não há limites.
Lua Jeniffer, 2001

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

POEMA



LUA


Da água que te reflete
No mais denso do oceano
Tú não és o astro satélite
Tú és como fantasma no pano

Magia, sonho, ilusão
Se tranformam num encanto
Moras numa grande mansão
Mas temas em ficar num canto
Pareces não ter pressa
Ao sair na vasta rua
A noite passa depressa
Minha misteriosa Lua

Sabes que o tempo é inimigo
Do orvalho que a folha bebe
Quero ser o teu fiel amigo
Oh! Lua de onde vinheste?
Da tua levesa crua
Me falas menina Lua
Da vida que já foi tua
Da tua tristeza nua.



Lua Jeniffer,2003

POEMA

FOME DE SOLIDARIEDADE

Sinto fome.
Mas até agora não descubri de quê.
É de uma coisa abstrata
Que não consigo ver.

Esta fome
Mata aos poucos meu coração faminto
A árvore dentro de mim apodrece
O menino carente é desinludido

Que vale a terra,
O rio, o céu, a estrada e a mata
Se o que eu preciso não é matéria?
É apenas de um olhar doce como o lume da lua
E uma mão que acalente meu sono.

Será que ninguém entende?
O que eu quero está tão perto
Porém distante
Não se ver, mas existe
Não se toca, mas sente.

É simples, depois complexo
É líquido, depois é sólido
Maluco, por pouco é sóbrio
Infinito e provisório.

Falo do amor...
Não!
Falo da amizade...
Também, não!
Então de que falo?

De uma coisa que vaga no ar
Decompõe-se na terra
Bóia no mar
Substitui o dinheiro
Muda um olhar
Abre qualquer coração e o fáz delirar

O motivo do poema
Lhe explicarei com bondade
O que sinto não é doença
É fome de solidariedade.

Lua Jeniffer, 2001

CRÔNICA



SER OU NÃO SER?

É incontável a quantidade de escritores, poetas, pintores, escultores, músicos, enfim, artistas e esforçados da mente que tentaram pelo menos uma vez na vida explicar o que é ser.
“Ser ou não ser? Eis a questão”, disse Shakespeare.
“É terrível ser? Dói? É bom? É triste?” indagou Drummond.
“Sê tudo em uma coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes”, sugeriu Fernando Pessoa. E assim prossegue por séculos e séculos essa eterna busca, essa exacerbada exigência de encontrar o ser.
Ora, amigo leitor, tu és? Eu sou? Se não és ainda, quando for avisa-me, por favor, pois hei de encontrar meu ser no mesmo lugar em que encontraste o teu. Acho que pensar é ser, ou talvez não, pensar pode ser uma forma de saber que nada é.
Às vezes caminho em lagos, em mares ora tranqüilos, ora revoltos, águas essas que não existem. Às vezes penso que sou uma minúscula célula dentro de outra célula, que por ventura se encontra dentro de outra célula e assim sucessivamente.
Também penso que o universo está dentro de mim e eu estou dentro de uma coisa muito maior que o universo. Penso que o sentir é ilusão, na verdade ninguém sente nada, ninguém é ninguém. De repente uma força cá dentro, talvez o próprio universo querendo explodir, mostrar-me que existe algo que é, algo que sempre será. Daí vomito trilhões de estrelas, estrelas de todas as cores, e finalmente creio que Deus é, que a natureza sábia é, que a vida também é. Do resto nada sei, mas não irei perder tempo em descobrir. Como os filósofos, procurarei usar a lógica: se faço parte de Deus, da natureza, da vida, automaticamente eu sou!
Ah, amigo leitor, meu estimado amigo, tu és?

Lua Jeniffer, 2005